Quando vejo minha vó, mulher retada de outrora, sentada na cadeira sentindo o tempo se acabar,com seu cabelos escassos, as pernas finas, o corpo definhando, os peitos murchos... Penso em mim mesma com os mesmos 80 anos. Essa menina de cabelos brancos que abraço agora é a mesma que me deu os primeiros banhos e os do meu filho também. A mesma que lutou para criar as três das oito filhas que germinou, as três que vingaram, as três mulheres que geraram mais outras três mulheres, uma delas eu.
De minha vó herdei a força de continuar. Dela apreendi a mania de guardar as coisas, de ter muitas caixas, de costumizar retalhos, de olhar a natureza se sabendo parte dela. Dela herdei as mãos bonitas, o olhar atento, as coxas grossas, as ancas firmes.
Quando vejo minha vó com o olhar perdido, tento me encontrar em seu tempo próprio, em seu espaço... Tento entender como somos ímpares, sendo pares, como somos frágeis, sendo fortes e um monte de vice-versas incalculáveis pro pensar.
Vejo uma imensidão de poesia em minha vó, ainda hoje, ainda assim, com tanta dor. Inexplicável ver nela a saudade por si mesma. Indescritível seu vagar descontinuado, levando pé ante pé, devargazinho, os últimos passos de sua existência.
Ninguém, para mim, jamais será mais significativa do que ela. Nem a minha própria mãe, fruto deste ventre. Porque somos no final todas sementes desta mesma mulher. Estamos todas vivas e saudáveis e sabedoras do mundo graças a esta Vergasta firme.
Lembro de uma vez, pequena, lendo um dos livros da escola, quando encontrei um poeminha, deus sabe de que mãos criado, sobre a borboleta lilita. Ficou o colorido das palavras soltas muito mais do que os versos...
Então hoje, quando vejo minha vó assim sem asas, é desta borboleta que lembro: quietinha em seu casulo, esperando a hora certa de voar.
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